domingo, 6 de abril de 2014

Paralelo entre Astrobiologia e Astrofísica

Há um profundo paralelo entre a astrobiologia e a astrofísica nascente de Galileu. Ele rompeu a dicotomia céu-terra da física aristotélica ao aplicar a mesma física tanto à terra como ao céu. Isso permitiu que a terra fosse rebatizada como Terra, com maiúsculo, pois é mais um planeta na companhia de outros, Marte, Vênus etc. Ocorreu uma queda das barreiras entre disciplinas clássicas – física, astronomia e geometria. Neste começo do século 21, há um novo transbordamento das fronteiras disciplinares. A ciência da vida se comunica com a ciência do cosmos, biologia com astronomia. A compreensão da vida experimenta um salto sem precedentes ao ser vista dentro de um contexto cósmico. Giordano Bruno O filósofo e frade dominicano, Giordano Bruno (1548- 1600) foi condenado pela Inquisição. Após ser acusado de heresia por suas ideias, passou a perambular pela Europa, lecionando em Oxford (Inglaterra), residindo na França e também em cidades como Praga, Franfkurt e Zurique. Escrevia muito sobre cosmologia e o sistema de Nicolau Copérnico. Ao não abjurar (renunciar) ao seu pensamento, foi aprisionado e morto na fogueira do Santo Ofício. A revolução galileana trouxe mudanças muito mais profundas nas mentalidades que em suas aplicações utilitárias imediatas. Similarmente, são as mudanças a longo prazo que deverão ser as mais importantes na esteira do desenvolvimento da astrobiologia. Olhando para os céus desde os jardins da cidade de Florença, Galileu viu “coisas que nenhum olho humano havia jamais visto” tais como as montanhas e crateras da Lua, as fases do planeta Vênus e os quatro maiores satélites de Júpiter. Entre as descobertas com o seu perspicullum está a de que a Via Láctea não era uma nuvem de vapor, como defendia o quase sempre equivocado Aristóteles, mas um agrupamento de estrelas tão fracas e distantes que não se discriminavam a olho nu. Bem antes de Aristóteles, a hipótese da natureza estelar da Via Láctea já havia sido proposta pelo mesmo Demócrito, defensor da natureza atômica da matéria. Se as estrelas distantes eram sóis, o cosmos era de um tamanho assombroso. A infinitização do universo que os dados astronômicos sugeriam não era novidade para os filósofos. Nicolau de Cusa já havia sugerido um universo infinito e Giordano Bruno, discorrido sobre a pluralidade dos mundos. Em geral, pluralidade de mundos significava a presença da vida em todo o cosmos. Giordano e Nicolau de Cusa são os herdeiros da cosmologia epicurista, que admite, em vez das esferas delimitadas de Aristóteles, um espaço extremamente vasto. Seria improvável que a Terra fosse o único lugar habitado na imensidão aparentemente ilimitada do cosmos. A convicção de não estarmos sós é exposta pelo epicurista Lucrécio no De Rerum Natura (“Sobre a Natureza das Coisas”): Visto, então, que o espaço vazio estende-se sem limite em todas as direções e que inumeráveis sementes atravessam em incontáveis cursos um universo de profundidade inatingível ... é improvável no mais alto grau que esta terra e este céu sejam os únicos que existam ... Portanto, devemos nos dar conta de que há outros mundos em outras partes do universo, com diferentes raças de homens e animais. Ao mesmo tempo que é uma novidade, a astrobiologia dá continuidade à paixão ancestral da procura da vida em outros mundos. Recoloca de um modo novo às antigas questões: “de onde viemos?”, “para onde vamos?”, “estamos sós?”, “o que é a vida?” Isso responde em parte à questão: para que serve a astrobiologia? Tenta responder a uma antiga indagação: “onde está o outro?”, que agora começamos a fazer numa escala cósmica. As questões da astrobiologia não só têm grande alcance, mas envolvem longa duração. O aquecimento global permite uma série de insights sobre a temporalidade da astrobiologia. Ele trouxe para a ordem de nossas considerações do dia a dia o que vai acontecer daqui a um século. Já a astrobiologia nos catapulta para tempos ainda mais remotos, medidos em centenas de anos – a escala de tempo do povoamento do Sistema Solar pela humanidade. Mesmo os projetos mais “imediatos” da astrobiologia, como levantamentos para a identificação de planetas extrassolares com vida, têm cronogramas medidos em décadas. O aquecimento global introduziu na linguagem comum o ano de 2100. E, falando de preocupações seculares, Ortega y Grasset, nos lembra a definição de século, saeculum em Roma. Considere todas as pessoas vivas em uma sociedade. Quando a última delas tiver morrido, ter-se-á passado um século. 2100 parece longe, porém, com as conquistas da longevidade pela humanidade, muitos dos que estão vivos agora verão a entrada do século 22. Entretanto, a temporalidade da astrobiologia, medida em séculos, é longa mesmo para os padrões desses “filhos de Matusalém”. A sua longa duração começa a definir uma mudança de mentalidade tão radical quanto a passagem do mundo fechado para o universo infinito que Galileu ajudou a instalar.

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