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domingo, 6 de abril de 2014
Calendário Cósmico II
Calendários islâmico, cristão, judeu, solar, persa, romano, egípcio, chinês, juliano, gregoriano... existe praticamente um calendário para cada grande cultura ou religião humana, mas nenhum é tão fascinante quanto o chamado calendário cósmico.
O calendário cósmico foi uma ideia (incrivelmente) genial do (magistral, mítica e absolutamente) genial astrônomo americano Carl Sagan, que a descreveu em seu livro "Os Dragões do Éden" (Ed. Gradiva, 1977). Mais de 30 anos depois esta ainda é uma das formas mais didáticas de demonstrar a história do Universo.
Aliás, isto era o que Sagan sabia fazer melhor: divulgar ciência avançada de forma tão simples que até uma anêmona conseguisse entender. Enfim, Sagan é daquele tipo de gente que não devia morrer nunca, tamanha sua importância atemporal para o mundo.
A humanidade aprendeu a medir os acontecimentos da vida pela contagem das horas, dias, meses, anos e décadas; os acontecimentos históricos podem ser acompanhados por séculos e milênios; os geológicos por períodos, eras e éons. Mas tentar quantificar o que costuma ser quase incompreensível – o real significado da idade do universo – requer medidas de tempo grandes demais. É exatamente para isto que foi criado o calendário cósmico, que condensa os presumíveis 15 bilhões de anos de existência do cosmo em um único ano, onde suas divisões tradicionais são convertidas da seguinte maneira:
01 segundo = 500 anos
01 minuto = 30 mil anos
01 hora = 1 milhão e 800 mil anos
01 dia = 43 milhões de anos
01 mês = 1 bilhão e 290 milhões de anos
Em seu 1º semestre momentos isolados, mas importantes, do desenvolvimento do universo são verificados. Nos últimos 04 meses, acompanhamos os primórdios do planeta e, em dezembro, a explosão da vida. No último dia testemunhamos a aurora da humanidade e, nos últimos segundos, o surgimento da História.
01 de janeiro: Big Bang, a grande explosão que deu origem à tudo.
01 de maio: formação da nossa galáxia, a Via Láctea.
01 de setembro: origem do Sol e formação do sistema solar.
14 de setembro: nascimento do planeta Terra.
A partir dessa data os dados são apresentados em pormenores específicos do nosso planeta.
O imaginário ano cósmico revela o incrível tempo gasto na formação de um sistema e depois de um corpo sólido no espaço – o planeta. Mostra também a relativa rapidez com que a vida se instalou na recém-nascida Terra. Isso leva alguns cientistas a supor que a vida não é um fenômeno tão raro como já se imaginou. Senão, vejamos: da grande explosão que originou o Universo, passam-se aproximadamente 260 dias cósmicos até o surgimento da Terra que, em apenas 11 dias, gera a vida.
A substância do planeta transformada em matéria viva caminha em velocidade crescente a níveis de estrutura cada vez mais sofisticados: moléculas com limitada capacidade de replicação surgidas em meados de setembro evoluem para complexas bactérias e algas já em outubro – seres que, apesar da aparente simplicidade, agremiam o funcionamento harmônico de centenas de milhões de moléculas.
25 de setembro: surgem as primeiras formas de vida.
09 de outubro: aparecem as células procariontes (bactérias).
01 de novembro: os microorganismos desenvolvem a reprodução
sexuada; formação das mais antigas rochas conhecidas.
A descoberta do sexo pelos microorganismos no dia 01 de novembro e a consequente troca de informação genética ampliam assustadoramente a velocidade da evolução, premiando a Terra com as primeiras células dotadas de núcleo, bem como organismos capazes de transformar a energia solar em nutrientes e liberando, a partir desse processo, um gás decisivo para a vida do planeta: o oxigênio.
12 de novembro: aparecem os primeiros seres fotossintéticos.
15 de novembro: surgem as células eucariontes (com núcleo).
01 de dezembro: a atmosfera começa a se encher de oxigênio.
75% da tempo da história da vida na Terra pertence única e exclusivamente aos micróbios. Contudo, vira o mês de dezembro e a marcha dos seres vivos não toma mais conhecimento de obstáculos. Após a conquista do mar pelo plâncton e os invertebrados, estes avançam sobre a terra firme; mais algumas horas e o céu também está vivo, repleto de insetos alados. Para não perder de vista as dimensões de tempo aqui envolvidas, lembremos que no dia 16 de dezembro cósmico a mais sofisticada forma de vida existente na Terra eram os vermes. Míseros 08 dias depois os gigantescos dinossauros saurópodes com 30m de comprimento e outras tantas toneladas de peso já marchavam sobre o planeta.
16 de dezembro: aparecem os primeiros vermes.
17 de dezembro: o Período Cambriano presenteia o planeta com a
primeira grande explosão de vida; os invertebrados lotam o oceano.
18 de dezembro: origem do plâncton oceânico; os trilobitas dominam os mares.
19 de dezembro: no Ordoviciano surgem os primeiros peixes,
ainda sem nadadeiras e mandíbulas.
20 de dezembro: Siluriano; origem das plantas vascularizadas
em terra firme e, no mar, aparecem os peixes sarcopterígeos.
21 de dezembro: Devoniano; os primeiros insetos terrestres fazem
os vertebrados sair da água.
22 de dezembro: surgimento dos primeiros anfíbios; os insetos
alados povoam os céus.
23 de dezembro: Carbonífero. As pteridófitas dominam a terra firme;
surgem as primeiras árvores.
24 de dezembro: início do Permiano; começa o reinado dos répteis.
25 de dezembro: a grande extinção do fim do Permiano abre caminho
para o império dos dinossauros.
26 de dezembro: de forma tímida, os mamíferos também iniciam sua escalada.
27 de dezembro: os dinossauros terópodes desenvolvem penas
e a capacidade de voar... e se transformam em aves.
28 de dezembro: surgem as primeiras plantas com flores; à noite,
um impacto cósmico devastador extermina os dinossauros.
29 de dezembro: a saga humana se inicia com o aparecimento dos
primeiros primatas.
30 de dezembro: o lobo frontal no cérebro dos primatas começa
a se desenvolver; surgem os mais antigos hominídeos conhecidos.
Os primatas mais derivados passaram a ter consciência de si próprios e transformaram a própria vida e o ambiente de forma cada vez mais veloz. Todos os acontecimentos daqui em diante ocorrem a partir da segunda metade do último dia do ano.
13:30h - surgimento do Proconsul e do Ramapithecus, ancestrais
dos grandes primatas - e do homem.
22:30h - nas savanas da África surge o Homo sapiens.
23:00h - o homem aprende a fabricar utensílios de pedra.
23:46h - na China inicia-se o uso do fogo.
23:56h - início da última Era Glacial.
23:58h - navegantes primitivos descobrem a Austrália.
23:59h - nas cavernas da Europa tem início a história da arte.
Com o aprimoramento da inteligência, os marcos da história humana deixam de acontecer em minutos para se tornarem questão de segundos cósmicos. É isso que tornou possível a mim pesquisar e digitar – e a você ler e entender – este texto.
23:59'20" - invenção da agricultura.
23:59'35" - o homem neolítico cria as primeiras cidades.
23:59'48" - na Mesopotâmia é criada a escrita cuneiforme - é o início oficial da História.
23:59'50" - florescem as grandes dinastias no Egito e na Suméria.
23:59'51" - invenção do alfabeto.
23:59'53" - Idade do Bronze; no oriente, os chineses inventam a bússola.
23:59'54" - Idade do Ferro; fundação da cidade de Cartago.
23:59'55" - nascimento de Buda e Confúcio.
23:59'56" - civilização grega e Império Romano; a ciência acelera
com Euclides (geometria), Arquimedes (física) e Ptolomeu (astronomia).
23:59'57" - queda do Império Romano; invenção do sistema numérico decimal.
23:59'58" - nascimento dos impérios maia e bizantino; no Oriente Médio,
iniciam-se as Cruzadas.
23:59'59" - a Europa vive o Renascimento e a Era dos Descobrimentos;
Descartes cria o método experimental científico.
00:00'00" - AGORA: desenvolvimento da ciência e da alta tecnologia.
As comunicações unificam o mundo. Naves exploram o espaço na
busca por vida extraterrestre. O homem tenta criar a inteligência
artificial.
De acordo com esta contagem hipotética de tempo, OUTRA contagem, também hipotética mas totalmente fantasiosa, nos dá conta de que o mundo foi formado em apenas 6.000 anos... mais ridículo que isso só saber que milhões de pessoas mundo afora acreditam cegamente nisto. E em pleno século 21...
Enquanto isso eu, com meus 31 anos incompletos, teria apenas 0,07s – ou 7 centésimos de existência. Desprezivelmente imperceptível.
Pra finalizar, deixo-os com as palavras do próprio criador do calendário cósmico, Carl E. Sagan:
A construção de quadros e calendários desse tipo é inevitavelmente humilhante. É desconcertante que, em tal ano cósmico, a Terra não se tenha condensado a partir da matéria interestelar antes do início de setembro, que os dinossauros tenham surgido na noite de Natal, que as flores tenham emergido no dia 28 de dezembro e os homens e mulheres tenham aparecido às 22:30h do último dia do ano. Toda a história conhecida ocupa os últimos 10 segundos do dia 31 de dezembro, e o tempo compreendido entre o declínio da Idade Média e o presente ocupa pouco mais que um segundo. Mas, em virtude de ter sido feito o arranjo desse modo, o primeiro ano cósmico acabou de findar. E, apesar da insignificância do instante que ocupamos até agora no tempo cósmico, é claro que o destino das coisas na Terra e em suas proximidades dependerá muito do conhecimento científico e da sensibilidade própria da humanidade. (trecho de Os Dragões do Éden)
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